terça-feira, 14 de abril de 2009

Um Certo João Fonseca



Por Mauro Ventura - O Globo - 06/02/08.

Quem é o diretor que domina os palcos com espetáculos como ‘Minha mãe é uma peça’, ‘Gota d‘água’, ‘Pão com mortadela’, ‘Um certo Van Gogh’ e ’A falecida

Talvez a melhor palavra para definir a lista de preferências do diretor João Fonseca seja “abrangente”. Ou “eclética”. Ela é generosa o suficiente para abrigar figuras tão distintas quando Van Gogh, Bukowski, Agatha Christie, Ariano Suassuna, Nelson Rodrigues, Chico Buarque e Daniela Pereira de Carvalho. — Gosto de ir do alternativo ao convencional — diz ele, diretor artístico dos F... Privilegiados, que foi indicado há pouco pela sexta vez ao Prêmio Shell, agora por “Pão com mortadela”. — Tenho esse lado da companhia, mas também gosto da Broadway. Não vejo problema em fazer as duas coisas. Um dos mais produtivos diretores do teatro brasileiro, Fonseca tem uma exigência: — Jamais faria esses trabalhos se não tivesse identificação, se não me apaixonasse — diz ele, que estréia dia 14 “A falecida”, está em cartaz com “Gota d’água” e “Minha mãe é uma peça”, reestréia em março “Pão com mortadela”, supervisiona “De mim que tanto falam” (direção de Paula Sandroni) e vai estrear em abril “O santo e a porca”.

Peças que falem ao coração

A quem pergunta como ele consegue emendar um trabalho atrás do outro, Fonseca responde: — O bancário não faz isso? Claro que há um desgaste emocional e criativo, mas você tem que fazer com que esses trabalhos sejam vitais, falem ao seu coração, estejam no seu sangue. Foi assim com “Um certo Van Gogh”, que está em turnê pelo país e deve estrear no Rio em junho. — Chorei quando dei de cara a primeira vez com seus quadros. E tinha ainda interesse de trabalhar com Daniela (Pereira de Carvalho, autora do texto) e Bruno (Gaglias so, ator e idealizador do projeto). — O Bruno falou: “Quero que você faça o ‘Van Gogh.’” Falei que não tinha tempo, que faltava só um mês para a estréia, que o texto não estava pronto. Mas ele é obstinado. Também foi assim com “Gota d’água”. O convite partiu de Izabella Bicalho, que faz o papel originalmente vivido por Bibi Ferreira. — Eu estava louco para fazer um musical e amava a peça. “O santo e a porca” foi outra encomenda, da Cia. Limite 151.

— Adoro Suassuna. Gosto de fazer um teatro que tenha alcance, que a empregada doméstica entenda, sem querer ser pejorativo. E ele escreve assim. Busca na fonte do popular e transforma numa coisa que, apesar de toda a qualidade, é profundamente acessível.Já “Minha mãe é uma peça” seduziuo pelo personagem — “Sou totalmente filhinho da mamãe” — e pelo ator Paulo Gustavo. Fiquei encantado com ele. É um espetáculo em que estou ali para servir ao Paulo. Fonseca não tinha a menor intenção de montar “A falecida”, mesmo sendo Nelson seu autor favorito. — “Paraíso Zona Norte” (montagem em que Antunes Filho reúne “A falecida” e “Os sete gatinhos”) é um dos espetáculos da minha vida.

Pensava: “Não vou fazer melhor do que aquilo”. Mas aí fiquei com vontade de investigar mais as coisas que comecei a trabalhar em “Édipo Unplugged”, do despojamento total (a peça tinha como únicos elementos cênicos as cadeiras). E, na primeira rubrica, Nelson fala do palco vazio, do fundo de cortina e do cenário composto somente de cadeiras.

“Pão com mortadela”, adaptação da obra de Bukowski, surgiu depois de uma oficina que deu para atores. Um deles, Sacha Bali, trouxe algumas cenas e ele adorou. — Eu tinha acabado de fazer “A ratoeira”, que é tradicional, e minha intuição me dizia que era para fazer agora uma coisa pequena, alternativa. Minha cara principal é essa, atores, texto, espaço o mais vazio possível e o jogo teatral. Fazer uma corda virar um rio, de três cadeiras criar um palacete. Isso você não tem no cinema, na TV, na internet. Fonseca está completando dez anos de direção. Mas sua carreira começou mais cedo. Nascido em Santos, fez teatro amador e depois se mudou para São Paulo, onde esteve no CPT de Antunes Filho. Em alguns workshops, aventurou-se dirigir. Mas o que queria mesmo era ser ator. Estreou profissionalmente com Gabriel Villela, em 89, em concílio do amor”. Em 92, veio Rio com “Colombo”, de Marcos Alvisi.

Mudou-se de vez em 93. O amigo Charles Möeller apresentou-o Antonio Abujamra, que estava reabrindo Os F... Privilegiados, e Fonseca entrou em “Exorbitâncias”.

Começo na direção com Abujamra

— Mas uma semana antes da estréia Abu cortou todas as minhas cenas. A peça estava muito grande. Falou: “Quero que você fique assim mesmo.” Eu tinha ensaiado três meses, sem ganhar nada, não queria ficar sentado na cadeira. Chorei, fiquei arrasado e me afastei.
Só que, após um mês, a peça trocou de palco, Fonseca entrou no lugar de outro ator e ficou no grupo. — Abujamra costumava falar: “Quem quer dirigir, pode.” Eu quis. Sua primeira indicação ao Shell — e o primeiro prêmio — veio pela montagem de “O casamento”, feita com Abujamra. Ele tinha adaptado uma cena e mostrou para o diretor, que a achou sem pé nem cabeça. Fonseca insistiu e apresentou 20 minutos. Abujamra gostou: “Você é diretor. Tem intuição boa. Pega essa cena, transforma em cinco minutos e põe no meu espetáculo.” — Criei coragem, falei “não quero” e sumi. Após uma semana, ele me ligou, perguntou o que acontecera, e expliquei que queria dirigir o texto inteiro. Abu falou “tudo bem” e disse que ia dirigir comigo. Começou a falar de várias mudanças. Eu suava frio, odiando tudo. Até que falei: “Não quero nada disso.” Ele respondeu: “Ah, é sua primeira direção, né? Faz do jeito que você quiser”. Acabou que ele mexeu com sua experiência, seu olhar, sua inteligência — lembra ele, que dirigiu pela última vez com seu grupo “Escravas do amor”, em 2006.

— Ano passado, Os F... não conseguiram fazer um novo projeto, porque não ganhamos edital nenhum. Foi um terror, ficamos muito f... e pouco privilegiados. Eles estão lendo agora autores como Rodrigo Nogueira, Newton Moreno, Fabio Porchat, Daniela Pereira de Carvalho e Bosco Brasil. — Resolvemos relaxar e gozar. Não temos dinheiro? Que bom, temos calma e tempo para escolher um projeto. Invertemos o jogo — diz ele, que recebeu de Abujamra um e-mail onde se lê: “Continue trabalhando como um químico louco, quantidade trará qualidade”. Fonseca tem conseguido conciliar as duas coisas.


Nenhum comentário:

Postar um comentário