terça-feira, 14 de abril de 2009

Encanto de Medéia



"Não há uma sessão, desde a estréia, em outubro passado, em que a atriz Izabella Bicalho não arranque aplausos, em cena aberta, por sua interpretação de O bem querer, canção do musical Gota d’água, de Paulo Pontes e Chico Buarque. Atualmente em cartaz no Centro Cultural Veneza, depois de temporada lotada no Teatro Glória, no Carlos Gomes e no Sesc Vila Mariana, em São Paulo, a peça, com direção de João Fonseca, ganhou público no boca-a-boca. A voz de Izabella é o cerne dos comentários. Joana, a Medéia das favelas cariocas, representa uma virada na carreira da atriz de 35 anos, mais lembrada pelo grande público pelo papel de Narizinho, que fez ainda menina, no Sítio do pica-pau amarelo, nos anos 80. Ela também está de volta à TV Globo, no elenco da minissérie Capitu, de Luiz Fernando Carvalho, e na novela Negócio da China, de Miguel Falabella, a próxima do horário das seis.

– É um trabalho para o qual me lancei inteira, insanamente – diz Izabella. – As pessoas sempre me acharam talentosa e tal, mas agora é a minha vez.

A bagagem no gênero é extensa, e inclui os musicais South American way, Oliver, Império. Fez televisão de forma bissexta, e agora colhe os louros por sua primeira grande protagonista. Formada em antropologia pela PUC, sempre foi apaixonada por tragédias gregas. Fez todas as aulas que pôde com professor Junito de Souza Brandão, um dos maiores especialista do país em mitologia. Resolveu produzir Gota d’água com a intenção de fazer um espetáculo de fácil comunicação com a platéia. A estrutura dramática ficou mais enxuta e novas músicas foram incluídas, como o coro de Partido alto e O que será, no primeiro ato.

– Gosto de alcançar o grande público, de levar ao teatro quem não vai. Nossa platéia não é só terceira idade. É claro que Chico Buarque tem um forte apelo, mas não há quem não se identifique com a dor de amor e não admire a mulher forte que Joana é.

Para viver a sofrida personagem trocada por uma moça mais jovem e rica, Izabella se apóia no rosto marcante e na voz afinadíssima. Anos de aula de canto com Agnes Moço e Mirna Rubin ajudaram a apurar a técnica. A construção de Joana exigiu da atriz uma boa dose de resistência, física e emocional. São muitos os números musicais e há cenas bastante tensas. Numa delas a personagem canta enquanto apanha do ex-marido Jasão, cai e levanta sem perder o tom. A carga dramática também é outro fardo – o desespero e a loucura da mulher amargurada vão num crescendo, até a Medéia moderna, por fim, eliminar seus descendentes. Izabella mergulhou de cabeça nos ensaios, jogando todos os seus recursos como atriz em cena: acabou exausta e sem voz no primeiro mês. Insatisfeita com o próprio desempenho, pensou em desistir do papel. Consultou João Fonseca.

– Ele me disse: "Calma, não está tão ruim assim" – conta, às gargalhadas. – Relaxei. Sabia que tudo na peça, menos eu, estava ótimo. Que falassem mal de mim à vontade. Então recomecei do zero. Em vez de emprestar à personagem tudo o que sabia, parti do mínimo.

Izabella recorreu às aulas de Camila Amado até encontrar o tom certo. Mais um momento de crise nervosa foi a estréia em São Paulo. Outra montagem do texto havia dado a Georgette Fadel o Shell de melhor atriz em 2006. O sucesso na capital paulista a deixou aliviada. Em outubro, Gota d’água encerra temporada no Rio e deve voltar para São Paulo, depois segue para Portugal.

– Foi emocionante conquistar aquele espaço, numa cidade onde há tantas opções culturais. É nessas horas que tenho certeza de que quero ser como a Bibi Ferreira: simplesmente ir fazendo. Quero viver disso até morrer.

Na longa fila de cumprimentos que se forma na porta do camarim – todos emocionados com as canções buarquianas – não há quem não se lembre dela como Narizinho. Os frutos que colhe, porém, vão além dos elogios. Depois de vê-la no musical, Falabella, autor de Negócio da China, criou para ela Zuleika, uma garçonete que sonha cantar no restaurante de subúrbio em que serve mesas. A atriz também começa a trabalhar no projeto de um disco, pela gravadora Rob Digital.

– Sempre pensei no canto para o teatro. Claro que poderia pegar carona no sucesso da peça, juntar uns músicos e sair por aí. Pretendo investir, mas em algo bem pensado.


Monique Cardoso


Fonte: Jornal do Brasil - 30/08/08.


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